terça-feira, julho 10, 2007

Sons da minha voz muda

Nunca gostaste de fazer um esforço para me compreenderes, é sempre mais fácil julgar-mos os outros sem que entremos no seu mundo, caso as portas estejam abertas, como é óbvio, mas nunca quiseste correr esse risco e, agora que não há mais nada para fazer, posso-te dizer que o caminho estava aberto para ti. Sabes o quanto eu preciso que me venham procurar, chamar o meu nome, ouvir-me, que não seja apenas o próprio silêncio. O mundo da pessoa que temos ao nosso lado pode ser tão distinto ou idêntico ao nosso, mas uma das maiores magias da vida é encontrar as diferenças interiores, para que nos completemos um pouco mais. O caminho para se chegar à mútua cumplicidade pode ser difícil, mas quando se chega lá, dificilmente se sai, a menos que a desilusão seja maior do que o esforço de dois seres em busca da união e da fidelidade. É assim que vejo o mundo, meu querido. Tu sabes como o contemplo mas nunca gostaste do meu pragmatismo e da minha individualidade. Nunca gostaste que eu soubesse mais que tu, tivesse conversas mais atraentes que tu, mostrasse interesse por diversas coisas ao contrário de ti. O teu lema passa pela monotonia e por mais umas quantas palavras derivadas do mesmo significado que ostentam o peso do teu corpo. Ficam-te bem porque nunca vi outras estampadas no teu rosto. Lembro-me de uma vez que foste passar férias a Londres e me trouxeste um presente. Devia ser o presente mais pindérico da cidade mas por ser teu tinha ganho um brilho diferente. Meti de lado o meu gosto delicado e agradeci, mas agradeci verdadeiramente – sempre gostei que me oferecessem presentes, por mais insignificantes que sejam. Uns tempos depois fui eu de férias. Trouxe o perfume que melhor cheirava e pedi à senhora para o embrulhar com um laço azul porque era a tua cor preferida. No primeiro jantar, após o meu regresso, entreguei-te o presente e a única coisa que me disseste foi que eu era esbanjadora e materialista, que haviam coisas típicas do país para se comprar, apesar de serem mais feias que o frasco de perfume e que o seu cheiro não fosse tão intenso como o do mesmo perfume. Mas não, eu tinha de ter comprado uma coisa caríssima para mostrar o meu bom gosto. Foram estas as tuas palavras, frias e rudes. Eu nunca soube tolerar a tua intolerância. Tenho-te a agradecer a forma como foste limando a minha vida, os meus costumes e as minhas maneiras de ser perante os outros – fizeste-me acreditar que as pessoas muitas vezes não sabem medir a intensidade das palavras nem a força dos seus gestos. Nunca mais te ofereci nada. Lição de vida número três mil oitocentos e vinte e dois – não se deve dar importância à incredulidade dos outros perante os nossos actos. Acabei por ficar com o perfume e ainda hoje o tenho sobre a cómoda, para recordar um dos dias em que fui intitulada como materialista e esbanjadora, e, mais importante que isso, um dos dias, mais um dia que te ganhei uma maior repugnância. Sabes que sou mulher de sentimentos vivos e intensos, colados à flor da pele, prontos a explodir pelo mínimo sopro dos momentos. Nunca consegui ficar calada, nem mesmo quando tinha a noção exacta que o devia fazer, por mais que pensasse que não. Quando era mais jovem, pensava que quando chegasse à fase adulta iria ter mais ponderância com os outros, mas essa imagem não passa de uma utopia que vai caminhando comigo, à medida que os anos passam por mim, como se fosse uma forma de adiar a perfeição da minha existência. Nunca gostei de correr atrás do vento, sempre preferi coisas e pessoas, tudo o que desse para agarrar quando sentia a necessidade de proteger, acariciar ou bater, formas intensas de viver os momentos, portanto. Juntos nunca fomos mais que duas almas caídas no desejo que nos unia. E demorei algum tempo a entender isso. Talvez um dos meus maiores defeitos é acreditar na veracidade das pessoas, estudar todos os seus conceitos e as suas características, apesar de nem sempre, ou quase sempre, não tirar conclusões positivas. Mais uma das formas que me faz crescer enquanto pessoa individual, que cada vez mais tenho a indispensabilidade de ser. Tu nunca compreendeste a necessidade de eu ficar presa às palavras e às recordações. Meu querido, se tu não te compreendes a ti quase por inteiro, diz-me, como é que vais compreender os que vivem ao teu redor? No dia que souberes realmente quem és e o que queres, pode ser que consigas ver o mundo de uma forma mais facilitada, porque as cores vão ter uma intensidade maior e as ruas vão ser feitas com limitações mais precisas e concretas. Pouco te importava o facto das horas que eu passava em casa, sentada em frente à secretária, a escrever para o jornal horas a fio, apenas com a caneca do café a fazer-me companhia. Mas, quando pensavas que eu estava tempo demais fora de casa, telefonavas-me a perguntar onde andava, porque é que não vinha para junto de ti. Nunca foste controlador, mas nunca gostaste de ser deixado de lado em momento algum. Quando queremos estar sempre presente nos momentos alheios, vamos enchendo um saco que se pode explodir na nossa direcção. E foi isso que foi acontecendo connosco. Como se a nossa vida fosse um balão de ar quente que teve um furo e que, consequentemente, descemos à realidade, à nossa verdadeira forma de estar na vida. Quando vivemos o amor, somos sempre isolados da razão. Fico feliz por poder contar hoje que já vive apenas dos sentimentos, das destrezas do coração e dos riscos que é amar.

8 comentários:

Anónimo disse...

Novamente se nota um tom de mudança. Leio o que publicas há bastante tempo e para quem, como eu, está habituado a lê-lo, é visível essa diferença.
Não deixes que as mudanças te deitem por terra, tenta compreende-las e visializar o seu porquê. Conseguirás compreende-las para as anulares ou ultrapassares
Força e sorte

Maria Inês Rafael disse...

Conseguirás tu ultrapassar essa barreira envergonhada de dizeres quem és?

Anónimo disse...

Nao é vergonha, tens necessidade de saber quem sou?

Maria Inês Rafael disse...

Sim, tenho a necessidade de saber quem é que está desse lado a caracterizar-me, suponho que seja alguém muito próximo para tantas palavras...

Anónimo disse...

Para tantas palavras so preciso de ter boca. Nao te estou a caracterizar...

Maria Inês Rafael disse...

Para além da boca, terás de ter fundamento naquilo que dizes.

Vais dizer quem és ou gostas de jogar este jogo?

Anónimo disse...

Se dizes isso é porque o que digo corresponde à realidade. Corresponde?

Maria Inês Rafael disse...

O que é que eu disse que te fez levar a pensar que aquilo que disseste corresponde à verdade?

Apenas afirmei que as pessoas para falarem não precisam de ter só boca mas também fundamento naquilo que dizem.

Estou a ver que gostas de jogar este jogo mas digo-te que não sou grande adepta...