domingo, maio 27, 2007

Deixa-os livres, para voltarem intactos


Não gosto de prender as pessoas que amo – isso seria sinónimo de perde-las com o passar do tempo – ninguém gosta de se sentir preso aos seres, ao tempo e aos hábitos. Normalmente, adquire-se melhor o costume de gostarmos de ficar atados às memórias e ao passado, para a partir deles construirmos o actual presente. Após uma obsessão, advém as repercussões desse mesmo acto, infiel às necessidades que o mesmo tem em cada um. Sabe melhor quando somos livres, deixados ao acaso, mas seguros em linhas invisíveis, infiltradas com sentimentos fortes e eloquentes, e somente com essas linhas seremos capazes de deixar o outro partir, sem destino, sem saber se o vamos ver daqui a uma hora ou daqui a um mês. A razão do sentimento, a fluidez de o expressarmos, é a forma do coração deixar de esperar algo mais, basear-se apenas na sua carência face ao outro. Quando se tem a vontade de se ir embora, deve-se ir, seguir os sentidos, deixar meio mundo perdido atrás das costas, pensar que se volta com a outra metade descoberta, com bagagens de memórias inesquecíveis, guardadas em nós, e vão construir o presente e o porvir. A imprevisibilidade acode à necessidade de não se prender os que nos significam mais que um nome, mais que uma saudade, mais que uma recordação – mais importante que isso, o que suprema é somente a sua essência em nós, a capacidade que tem de nos encher de histórias, palavras marcadas, preencher o espírito com um ar novo e absorvente. As sensações não seriam as mesmas se deixássemos o corpo estendido no mesmo lugar, o seu aroma não teria a mesma importância e a cor da pele, dos olhos, do coração e dos sentidos, perdiam-se na paisagem envolvente. Por isso, deixa-os livres, para voltarem intactos.

quinta-feira, maio 24, 2007

Ser mais velho

O bem-estar emocional é a nossa relíquia, e é através dele que criamos, ou não, a verdadeira doutrina que é ser e parecer mais velho do que aquilo que realmente somos.

domingo, maio 20, 2007

Gosto

Gosto de me sentar no chão frio a ler

Gosto de comer bolachas e chocolate branco

Gosto de sentir o frio a bater-me na cara

Gosto de andar na mesma rua de sempre quando volto para casa

Gosto de ter um quarto só para mim

Gosto quando os que amo me mandam mensagens

Gosto ainda mais quando me telefonam

Gosto de ler até não conseguir mais

Gosto de encontrar o que as pessoas tentam esconder

Gosto de ter objectivos na vida e gosto de ter muitas coisas para fazer

Gosto de viajar, viajar por Itália e pelo Mónaco

Gosto de comer alface

Gosto de amarelo

Gosto do Porto e de Lisboa

Gosto de uma boa companhia

Gosto de acreditar nos meus sonhos

Gosto de ir à última secção de cinema da noite

Gosto de escrever coisas que ninguém compreende

Gosto da voz daqueles que amo

Gosto de ouvir The Gift todos os dias

Gosto quando a mãe compra leite com baunilha

Gosto do meu espaço e da minha privacidade

Gosto de óculos de sol

Gosto de ver pilhas de papéis

Gosto de me sentir ocupada e útil

Gosto da luz do Sol

Gosto de roupa cara

Gosto dos dias de Verão

Gosto do brilho intenso dos olhos da irmã

Gosto de História, de Geografia e de Português

Gosto de ir para a escola a correr porque me atrasei

Gosto do cheiro do perfume dele

Gosto da maneira de ser dela

Gosto de tirar fotografias para um dia serem recordações

Gosto dos olhares que falam mais que muitas palavras

Gosto de comer gomas até não conseguir mais

Gosto de pessoas despachadas e sem papas na língua

Gosto de acordar tarde

Gosto de cheirar a roupa dos que amo

Gosto de ficar calada a ouvi-los

Gosto de os ajudar a comprar roupa

Gosto de telefonar quando estão doentes

Gosto de ver as pessoas felizes

Gosto de abraços que se desenrolam no tempo

Gosto de sorrisos grandes e de grandes sorrisos

Gosto de gelados a qualquer hora

Gosto de ter os que amo por perto

Gosto quando me escrevem

Gosto de me sentir livre

Gosto da cor da minha pele

Gosto de receber mimos

Gosto de lhes dar também

Gosto de manhãs, tardes e noites bem passadas

Gosto de perder eternidades a conhecer uma cidade

Gosto ainda mais de conhecer aquelas pessoas

Gosto também de conhecer os sentimentos

Gosto das palavras

Gosto dos silêncios

Gosto de peles morenas

Gosto de olhos cor de amêndoa e de olhos verdes

Gosto de limpar as lágrimas

Gosto de me sentar no jardim a ouvir o tráfego dos carros

Gosto que me limpem as lágrimas

Gosto de homens vestidos a rigor

Gosto das marcas que deixo na areia molhada

Gosto de improvisos

Gosto de convites, confissões e surpresas

Gosto do sabor de baunilha

Gosto que me telefonem só para ouvirem a minha voz

Gosto de amar

Gosto de ser amada

Gosto de coincidências

Gosto de ver quem passa quando estou na esplanada

Gosto de só ouvir a minha música quando corro as ruas da minha vila

Gosto de me sentir alegre

Gosto de cabelos ondulados

Gosto quando me tratam pelos meus dois nomes

Gosto de ver o pôr-do-sol

Gosto da aventura e da descoberta

Gosto de adormecer a pensar nos que amo

Gosto de acordar ao lado dos que amo

Gosto de ser reconhecida mas também gosto de reconhecer os outros

Gosto de tomar banho todas as manhãs

Gosto do cheiro da terra molhada

Gosto de almoçar fora sempre que posso

Gosto de comer torradas e leite quente preparado pela mãe

Gosto de estar longe para sentir a saudade

Gosto de rever os que deixei para trás

Gosto de passar férias com os que amo

Gosto das frases que vêm nos iogurtes

Gosto de guardar os bilhetes de cinema, metro, comboio e entrada em museus

Gosto de ser perdoada

Gosto de músicas com ritmo

Gosto também de músicas só com piano e voz

Gosto quando me dão conselhos

Gosto de tocar guitarra

Gosto do meu nome

Gosto de gostar de tudo o que gosto.

terça-feira, maio 15, 2007

Duas caras

"Não faço ideia nenhuma do que sinto por ti, mas também não interessa, porque, como para mim és duas pessoas e eu só gosto da segunda, deixo a primeira de lado e nem sequer penso nisso."

Margarida Rebelo Pinto.

segunda-feira, maio 07, 2007

L

Sinto um nó muito grande no peito. Eu não cuido muito bem de mim. Queria antes que cuidassem melhor de ti, porque és mais importante que eu. Mas agora, no momento em que chego a casa, alguém me diz que te tinham cuidado mal, que tu própria te tinhas cuidado mal. A atmosfera ficou em alvoroço, com um sabor acre, simplesmente porque eu não consegui medir a intensidade da minha explosão e da minha autenticidade medonha perante as adversidades. Prometo que não te vou assustar com as minhas lágrimas, com os meus suspiros e com os meus receios. Eu sou como uma folha de papel, que dança ao sabor da corrente do mar. Vou estar eternamente ao teu lado, porque é assim que eu faço com quem amo, com quem estimo, com quem me orgulho de ter por perto e de ter conhecido. Procura forças que elas existem por detrás de mais uma doença que te tenta corroer os movimentos, que não te deixa viver como querias, como eu queria, como todos queríamos. Tudo depende de ti. Normalmente a cura para metade dos nossos problemas depende de nós mesmos. Então pega nesse teu corpo, junta-lhe a inteligência, a pujança que guardas para estas situações e vence mais esta batalha. Não te vou prometer que no fim ganhes uma medalha, mas prometo que estarei na meta final para te dar um empurrão, se for caso disso, para te sorrir e dizer que chegaste ao meu porto de abrigo. Ao invés da medalha, ganhaste mais um pedaço de vida que te tentaram roubar. Não caias na armadilha de quereres compreender tudo o que se passa à tua volta, nem tentes perceber o motivo pelo qual isto tudo acontece contigo – metade do mundo poderá estar-se a lamentar neste momento, da mesma forma e ninguém vai solucionar nada partindo daí.

Agora preciso de descansar, meter a cabeça no sítio, limpar o rosto. Durante este compasso de espera, as horas vão ter mais minutos, o relógio vai ficar mais pesado, o tempo não vai fluir com a mesma pressa. Os dias vão demorar, o ar vai ser sufocante e não haverá paciência para tolerar o mundo. Por outro lado, dá-me um certo conforto em acreditar que tu vais ultrapassar mais esta dificuldade, porque és do meu sangue e tens a mesma garra que eu.

domingo, maio 06, 2007

A vida é um risco


"Viver à defesa é frequente, mas não deixa de revelar uma certa fraqueza nossa. Sabemos que sem risco não há crescimento e que tudo o que não cresce decresce.

Viver a vida pela metade mais segura é extraordinariamente seguro, mas não deixa de ser apenas meia coisa. Aceitar correr riscos passa por aceitar o desafio de ir mais longe, de poder errar ou falhar muito, mas, também, de poder ganhar tudo.

A coragem para correr riscos adquire-se cedo, logo nos primeiros anos, a partir das primeiras experiências. Os pais ou quem os substitui têm um papel importante na construção da nossa autonomia e da nossa atitude perante a vida. Neste sentido, podem ser muito condicionadores ou muito libertadores. A boa notícia é que esta nossa coragem de viver, por assim dizer, não depende exclusivamente da margem de liberdade e confiança transmitida por quem nos educou e ajudou a crescer. Ela existe em cada um de nós e pode ser cultivada em qualquer altura da vida, através de uma vontade forte e determinada.

Ou seja, podemos ter estado fechados até aqui, mas, a partir de hoje, também podemos querer arriscar viver com outra liberdade e o coração mais aberto.

Muitas vezes, tememos o sofrimento e evitamos os problemas a qualquer custo, mas, na realidade, o mal não é que existam problemas. Viver mal os problemas é que é o mal.

Passem todas as redundâncias, a grande questão é a desistência, o desânimo ou a falta de coragem para voltar ao caminho, sempre que tropeçamos ou caímos.

Como alguém disse, não importa tropeçar nem cair, só importa o tempo que demoramos a levantar-nos e a voltar a andar. Recuperar das quedas pode ser duro, mas também pode ser um tempo de inspiração e discernimento para ganhar forças e firmeza. O facto de uns demorarem mais e outros menos até ficarem outra vez de pé prende-se com a confiança que têm em si, nos outros e na vida.

O grande mistério é que é com os problemas e as dificuldades que crescemos e amadurecemos.

Mais, é na adversidade que melhor nos conhecemos. A nós próprios e aos outros.

Paradoxalmente, a experiência de dor e sofrimento faz-nos sempre crescer.

A condição essencial para avançar na vida é saber exactamente o que queremos, devemos tentar perceber com a mesma exactidão aquilo que não queremos. Tudo o que não nos serve, portanto.

O problema, muitas vezes, é distinguir o que é ou não importante, mas até para atravessar rios e pântanos existem regras e caminhos mais seguros.

Um critério possível e razoavelmente infalível passa por definir, à partida, qual o preço que estamos dispostos a pagar por aquilo que achamos verdadeiramente importante para nós.

A tentação de querer descartar toda e qualquer possiblidade de sofrimento é, porventura, o maior sinal. Sempre que desistimos à partida, com medo de vir a sofrer, é porque essa coisa ou essa pessoa afinal não são verdadeiramente importantes para nós.

Como distinguir, então, o que nos é essencial? Justamente, percebendo que estamos dispostos a dar tudo por aqueles que amamos. E atrevendo-nos a um passo em frente assumindo claramente que “isto é, para mim, muito mais importante do que aquilo”. Poucos nos atrevemos a fazê-lo, mas, sempre que conseguimos, ganhamos em liberdade interior, em confiança e realização pessoal. Em coragem, também. Por tudo isto e voltando ao princípio, insisto: a vida é um risco que vale a pena ser vivido."

Laurinda Alves, in Atitude XIS, um olhar positivo sobre a vida.